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Fiscal de praia - José Fonseca Filho

14/01/2022 00:00




Fiscal de praia

Por José Fonseca Filho**

No Ano Novo é tradição a promessa de lutar por vida nova. Desta vez, para mim, será mesmo. Passei no concurso para Fiscal de Praia da entidade oficial de preservação do imenso litoral brasileiro. Terei sob minha responsabilidade parte importante de lindas praias. Para turismo e preservação do ecossistema.
Nas areias brancas lá estarei, fiel servidor do Estado, zelando pelas praias que são o único lazer gratuito de nossa população. Para isso serão necessários muitos preparativos. O concurso foi rigoroso. Não é qualquer um que pode ser fiscal de praia. Cerca de mil candidatos e só 12 aprovados.
Passei em primeiro lugar porque era o mais rápido e fui o primeiro a pular na água. Os demais eram gordinhos e lentos. Assim não salvam nem tartaruga. Outros ficaram assustados com o brilho do sol e tiveram a visão ofuscada, Todos felizes. Claro, trabalhar cuidando de praias é privilégio. No verão, um paraíso.
Terei bom seguro de vida, já que no trabalho posso ter de enfre ntar ondas de até 5 metros. Terei do empregador, para transporte na minha área de serviço, um moderno quadriciclo Kawasaky, de 80 HP. Vendo meu carro e aplico na construção de uma casinha. De frente para o mar, entre coqueiros.
Farei economia também nas roupas. Adeus ternos, gravatas, camisas de mangas compridas, sapatos brilhantes e essas coisas de gabinete. Falsa imagem de seriedade. Vou vender tudo. Hábeis costureiras transformarão os ternos em coberturas de guarda-sol e sacolas de praia, que venderei aos turistas a preço de ocasião.
Vou vender as assinaturas de televisão, que só transmitem bobagem e repetem filmes. Para que mais televisão, computador e o chato do celular? Agora só vou ver na minha frente a linda praia, o céu, a lua cheia, o por do sol sobre o mar, algumas aves em vôo baixo e os peixinhos coloridos pululando nas poças de água. Mais bonito que arranha céus, ônibus e buzina de carros.
A alimentação será frugal e saudável, embora alguns possam achar o menu repetitivo. Basicamente: peixes, camarões, carangueijos, algas marinhas, siri e lagosta. Tem um que não aprecio mas sempre temos para as visitas: polvo. Limão, laranja, banana, tomate, água de côco à vontade. Recomenda-se, pouco depois, uma caminhada pisando na espuma da água salgada.
As gravatas, tenho-as de todas as cores, mais de trinta, pois era tido como elegante. Serão vendidas em fim de semana em que haja feira mix na nossa praia. Habilidosas costureiras as transformarão em brilhantes biquínis de seda pura. Uma moda que lançaremos, fadada ao sucesso. Pelo tamanho hoje usado pelas garotas, e até por algumas digníssimas senhoras, cada gravata vai dar para fazer um belo biquini. Depois lançaremos a linha top less, confeccionada com as gravatas-borboleta. O modelo e a técnica de fixação estão sendo estudados pelos nossos estilistas.
Não vou perder um centavo com a troca do setor de trabalho, deixar a cidade chata e ir para a praia, onde terei compromissos da mais alta responsabilidade. Quilômetros de areia branca e mar azul dependerão de mim. Meus sapatos também serão vendidos, cortados e transformados em sandália de praia. Os laços dos sapatos serão aproveitados para amarrar as iscas nos anzóis.
Vou ser o mais elegante fiscal de praia do Brasil. Cada dia uma sunga diferente, em modelos e cores. Algumas mais longas, outras mais ousadas, sem agredir as regras da moralidade. E, mesmo inadvertidamente, não suscitar a concupiscência alheia. Cálculos no comércio indicam que com o dinheiro que compraria um terno eu poderei comprar 87 sungas, 34 bermudas, 25 camisetas e 30 sandálias, Roupas apropriadas para minhas novas funções.
Para manter a saúde e a excelência física serei obrigado a usar bonés, cremes de proteção solar e óculos escuros. Despesas cobertas pela empresa Praiabrás, onde estarei trabalhando. Além de exame dermatológico mensal, para checar se um sinalzinho que tenho na careca virou câncer de pele.
Estou indo. Adeus cidade ingrata, engarrafamentos, brigas de rua, batidas de carro, supermercados cheios, políticos falando bobagens, guardadores de carro discutindo. Estou partindo em poucos dias, para a posse do cargo. Só não digo de quais praias serei o cuidadoso fiscal. Mas adianto que são perto do paraíso.
**José Fonseca Filho é jornalista 
*Crédito foto mulher de bikini - Pexels



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