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Guerrilha Carnal (Crónica) - José Fonseca Filho

29/03/2023 00:00




­Guerrilha carnal 
Por José Fonseca Filho **
O jornalismo é uma profissão de grandes acontecimentos e emoções. As mais inesperadas, muitas vezes com altos riscos. Assim não fosse, haveria frustrações e queda no entusiasmo dos praticantes da carreira. Os riscos que ocorrem em seu cotidiano são próprios da profissão ou fruto de provocações externas. Os repórteres, assim, estão sujeitos a tudo.
No final da década de 70 agravou-se o movimento revolucionário na Nicarágua, onde os rebeldes sandinistas iniciaram os combates para derrubar o ditador Anastácio Somoza. Um dos mais violentos e corruptos desta corja de políticos que vicejou no continente latino americano. O movimento revolucionário crescia e a derrocada do ditador ocorreu em 1979, quando fugiu para Miami, após a vitória das forças sandinistas.
Assim começou mais uma fase de agitação política e revolucionária na América Central, a exigir competente cobertura
jornalística. Um dos grandes jornais brasileiros foi dos primeiros a enviar seu repórter para a cobertura da guerra civil iniciada. O ditador Somoza mantinha estacionado seu Boeing 727 na pista de sua mansão, para que na emergência final viajasse em fuga para Miami. Como veio a acontecer.
Um repórter do jornal brasileiro, nesse período, encerrava uma  grande reportagem no México, de onde regressaria para o Brasil. Assim, a direção do jornal determinou sua viagem a Manágua - ali pertinho - para fazer a cobertura da revolução sandinista. Não pestanejou, aceitou logo a missão. Ou guerra ou festa, uma boa reportagem nenhum jornalista recusa.
Comprou a passagem e horas depois desembarcava no aeroporto de Manágua. Recebido por um bando de soldados armados de metralhadoras e bienvenidos nada simpáticos. Quase uma hora para interrogarem o repórter brasileiro na alfândega. O qual saiu contando os trocados para o táxi e ainda fechando a mala. Nela estava escrito: Press. Para qualquer jornalista, tal palavra é a hipótese de um mínimo de segurança.
Oportunidade lucrativa
Muitas malas atrás vinham os passageiros comuns. Os fiscais da alfândega com revólveres na cintura e cachorros treinados para assustar os recém chegados. As mulheres se arrepiavam mais com os cães do que com as armas. Havia naquele vôo procedente do México mais 4 jornalistas famosos, dois norte-americanos, um francês e um espanhol. Além do pioneiro brasileiro com pouco dinheiro e muita disposição.
Foram todos para o mesmo hotel, o Intercontinental, de arquitetura piramidal, o único aberto e disponível durante a
rebelião, além de ser de boa qualidade. Outros estavam  bombardeados. Para lá foram ainda os jornalistas chegados do México: dezenas de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Outros ainda chegariam, dada a repercussão mundial da revolução sandinista.
O hotel nunca havia estado tão lotado e seu gerente plenamente satisfeito. Alegres e surpresas também estavam duas jovens mulheres bonitas e bem dotadas, que no hotel aguardavam o próximo vôo de retorno ao México. Assustaram-se com a chegada de tantos estrangeiros. Elas eram trabalhadoras, do tipo que valoriza o que fisicamente possuem, sem constranger a sociedade.
Estavam há 2 dias sem sair do hotel, para evitar tiros que lhes prejudicariam a estética. ?Vamos ficar mais uns dias,? sugeriu Amanda, com a chegada dos novos hóspedes, obtendo a concordância da colega Fulvia. Havia perspectivas financeiras. Todos logo se puseram a trabalhar, repórteres, fotógrafos, cinegrafistas. Nas ruas de piso arrebentado, repetição de tiroteios dos soldados de Somoza contra os guerrilheiros sandinistas.
O que viram de interessante no pobre repórter brasileiro não se sabe, mas ele foi dos mais assediados pela dupla. Mal sabiam que ele só teria dinheiro para um picolé. Dava a impressão que ambas já haviam se servido bastante dos outros jornalistas hóspedes, num período em que ninguém ousava sair do hotel.
Decidiram então provocar o jornalista tímido. Quando o brasileiro ia para o apartamento, acompanhavam-no ao elevador e faziam provocações. A convivência de poucos turistas, muitos jornalistas e duas jovens aventureiras tornou-se mais próxima depois que houve uma explosão no subsolo do restaurante.
Todos achavam que devia ter sido uma bomba e correram em polvorosa. Houve apenas a explosão do equipamento de ar condicionado. O brasileiro levantou uma das jovens pela cintura para ajudá-la, e apenas isso. A calma foi restabelecida. A partir daí o brasileiro subia para seu apartamento sempre pela escada, para evitar a exibição de decotes sensibilizantes no elevador.
Há dias o repórter brasileiro não tomava café antes de subir ao apartamento, sempre pela escada. O dinheiro estava acabando. E para superar a dificuldade, trocou o bom restaurante do hotel por uma mesa de bocadillos na esquina. Fora então liberado pelo jornal para regressar ao Brasil, elogiado pelo seu bom trabalho.
Nessas alturas estava louco para voltar, o que aconteceria em dois dias. Pedira a sua esposa para apanhá-lo no aeroporto, e levar uns trocados para as malas. Dia seguinte, na emoção do retorno ao Brasil, à família e ao jornal, o repórter colocou a melhor roupa e o mais sensível perfume.
Subiu ao avião e sentou na poltrona da janela, para poder admirar o Cristo Redentor ao chegar. Fechou os olhos e ouviu delicada voz:  
- Buenos dias, mi caro señor de Brasil.
A outra acrescentou:
- Desculpe-nos por nuestras tentativas de abordá-lo. El Señor fue muy educado. Nosotras provocamos pero respetamos.
As duas ocuparam os assentos da mesma fileira, ao seu lado, sem que o jornalista percebesse. Nas 3 horas de viagem ao México, de onde voltaria ao Brasil, conversaram educada e cordialmente. A mais alegre disse-lhe:
- Por primera vez recibimos en muchas monedas e tuvimos ótima renda. Sólo no recibimos el dinero del Brasil.
As meninas desembarcaram no México. Despediram-se com sorrisos simpáticos e respeitosos. O brasileiro não lhes negou um abraço meio sem graça. Retornou feliz ao seu país, sua esposa, sua casa e seu jornal. Era um grande jornalista.
*** José Fonseca Filho é jornalista
* Imagem Europa Press


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