Poemas
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10/11/2023 00:00
Aventuras em Portugal
José Fonseca Filho **
A cantada
Na frente ia minha mulher, sempre bonitinha e bem arrumadinha. Eu seguia um pouco atrás. Ia ao seu encontro, na Praça do Rossio,
após compromisso de trabalho. Isso no centro de Lisboa. De repente escutei o comentário, previsivelmente de um cidadão
português bem impressionado.
- Ó jeitosa !!!
Sem dúvida era um galanteio. Meio estranho, mas assim o entendi. E estava certo. Escutei primeiro porque estava atrás. Que
era bonita e bem elaborada eu já sabia, desde o início do relacionamento. E depois, na fase de consumo. Quando ela reduziu as passadas e deu uma olhada para conferir de onde partira o que ouviu, eu disfarcei, para acompanhar o episódio. Já estava com vontade de rir. O português se invocou e lascou de novo:
- Ó jeitosa ! Pá, que garota mais jeitosa !!
Percebi que ela estava desconcertada com o insólito da expressão, mas também prestes a rir. O que poderia confundir ainda mais a
expectativa do português. Em vez disso ela, que é despachada, sendo eu o tímido, disparou:
- Ó bolha, vê se te manca !!!
O português engasgou. Talvez já não a considerasse tão jeitosa. Era o mesmo idioma mas nenhum dos dois entendeu o que dissera
o outro. Eu sim, porque fui testemunha. Depois esse tipo de acontecimento viria a se repetir com alguma frequência naquela semana em Portugal. Resolvi testar ambos. O idioma e eu próprio. Apressei o passo e assumi eu a condição de galanteador:
- Jeitosa e gostosa !!!
Ela virou-se na hora:
- Agora foi você!
E tiramos uma casquinha em plena Av. da Liberdade. Com todo respeito à liberdade.
O durex
Atravessamos o rio Tejo de balsa e pegamos um táxi até a praia de Sesimbra. Bonita, poética e, claro, cheia de pescadores. Siris
enormes, pescados em profusão, gente simpática. Num bar, ocupamos uma mesa. Era início de inverno, começou a ventar forte e a toalha da mesa voava. Mas apesar disso preferimos ficar ali, com vista para o mar. Bastava dar um jeito de prender a toalha de papel na mesa, para
evitar o transtorno. Minha mulher, como já sabido, jeitosa, resolveu pregar a toalha de papel na mesa. E pediu ao garçom:
- Por favor, o Sr. poderia me trazer uma durex?
Para grudar a toalha na mesa, obviamente. Mas o garçom nada respondeu, entrou no salão, cochichou com os colegas e todos se puseram a rir. Aquela mulher pediu uma durex, disse-lhes. Eu e ela não entendemos nada. Só queríamos prender a toalha na mesa. Os garçons nos olhando e rindo, o vento soprando e nós, o casalzinho, estupefatos. Que diabo era aquilo? Até que uma conterrânea em mesa vizinha veio nos ajudar.
"Atenção, durex aqui não é fita adesiva não. É o nome da camisinha de vênus". E repetiu: fita durex, em Portugal, é camisinha de vênus.
Passamos a entender e demos razão aos garçons e suas risadinhas. Afinal, o sujeito entrar num bar, com sua mulher, e pedir uma camisinha de vênus para prender a toalha na mesa é coisa de maluco pirado. Explicamos aos garçons o engano, e passamos todos a rir de nossa babaquice. Espero que eles não tenham entendido que no Brasil evitamos filhos e aids com fitas durex.
O fundo
Procurava o endereço de uma agência de viagens para alteração de passagem. Perguntei a conhecidos onde encontrá-la e recebi a
indicação:
- Na rua dos fundos! me disse o primeiro informante.
Ótimo, aqui pertinho mesmo. Vamos andando, comentei com a jeitosa. Mas não encontramos loja de passagens nenhuma. Perguntei a outros transeuntes e todos respondiam:
- É logo ali nos fundos, ó gajo brasileiro!
Ah, bom. Finalmente. Foi preciso muita indagação e caminhadas para finalmente descobrir que a empresa procurada ficava na Rua
dos Fundos, que realmente não era longe. Era simplesmente o nome, a designação oficial da rua. E não nos fundos de uma rua que era perto, como eu assimilei erradamente a mensagem dos nossos compatriotas.
O gasóleo
Rumo a Óbidos, belíssima cidade medieval protegida por muralhas. Semana Santa, consegui alugar um carro com muita dificuldade. Fomos logo abastecer para tomar a estrada. Tinha lá no posto uma placa: gasóleo na bomba da direita. A já considerada jeitosa indagou o que era gasóleo e eu sabichão respondi: É gasolina, claro.
Abasteci, liguei o carro, acelerei e BUUMM... ouviu-se uma explosão gigante que fez a mulher do caixa me chamar de imbecil e filho daquilo, várias vezes. Com a fumaça, só fui encontrar a jeitosa depois de dez minutos. Acontece que eu abasteci com óleo diesel, que é o tal gasóleo de lá. E o carro era movido a gasolina. Mas o drama não acabou por aí. Ao custo atual, o aluguel do carro sairia por mil euros, mas tive de pagar 2 mil pelos estragos causados ao posto e ao veículo. E não achei nenhum outro carro para alugar, numa Sexta Feira Santa. Voltamos ao hotel de bonde. Próxima vez em Portugal, juro que vou levar a jeitosa para Óbidos. Mas não na Semana Santa. E com carro elétrico.
A lógica
Não entender a língua portuguesa é desconhecer sua lógica, que ela obviamente tem. Lembremos algumas experiências, numa viagem como esta, aqui narrada com tanta seriedade. Fui checar minha passagem no balcão da empresa aérea e perguntei se o vôo estava lotado. O funcionário respondeu que não, mas o fez de forma singular:
- Está repleto de lugares vazios.
Embarcamos confiantes no maravilhoso serviço de bordo da empresa.
Perguntei à aeromoça, durante o café:
- A senhorita tem torradas?
- Temos sim senhor ? respondeu.
Ôba! Mas a torrada não veio. Então dela cobrei:
- A senhora não trouxe as torradas!
- Mas o senhor não pediu para trazer. Apenas perguntou se eu as tinha. E eu as tenho. Agora vou buscá-las para o Senhor.
Ah, bom!
Há exemplos aéreos e realidades nos trens. Num deles, um dos passageiros não conseguia retirar seu volume do porta malas.
Ousei perguntar:
- O Sr. precisa de ajuda?
Ele logo respondeu:
- Não, preciso é de mais força.
É tudo, isto sim, uma questão de lógica.
** José Fonseca Filho é jornalista
Pintura Mujer - Christiane Vleugels
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