Poemas
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10/12/2024 00:00
Eu sou o quê ????
José Fonseca Filho **
Cansado eu estava muito, após algumas semanas de trabalho intenso, constante. Algo que não mata ninguém. Afinal, trabalhar é uma atividade normal e estimulante, para a sobrevivência de homens e mulheres. Antes os homens trabalhavam muito mais. Hoje as mulheres disputam com os barbados e muitas vezes saem ganhando.
Mas esgotado eu estava e ficar aqui onde moro, que já não é uma cidade alegre, iria me aborrecer ainda mais. Vou embora, passar uns dias fora, decidi. Primeiramente pensei no Rio. Mas lá virou cidade de faroeste onde ocorrem tiroteios, lembrei-me. As praias viraram também centros de bandidagem, e quando um ladrão corria dezenas de outros iam atrás para ajudá-lo. Para apoiar a vítima, ninguém corria. Afinal, poderiam acabar
levando as sobras das porradas. Então fui caminhar na praia, pensativo.
Nisso, passou um vendedor de castanha de caju, algo que eu adoro. É cara mas é boa. Embora os saquinhos individuais vendidos sejam quase vazios. Sabedoria dos pilantras. Dez pratas para comer quinze castanhas, imaginem. Azar. A vida está ficando a cada dia mais cara. Mas pode melhorar agora, depois da união da Comissão Européia com o Mercosul. É o que diz a imprensa.
- É do Ceará, praticamente gritou o vendedor em meu ouvido, antes de me entregar o saquinho com as castanhas de cajú. Eu conhecia as castanhas, mas não o Ceará. Lá tem as melhores praias do Brasil, gritou de novo o vendedor de castanhas. E todas as mulheres de lá são bonitas e bem feitas, gritou de novo para mim.
Eu virei a cabeça para poupar o ouvido. Puto porque meu saquinho de castanhas caiu no chão e o vendedor já tinha ido embora.
E se o tal Ceará for bonito mesmo, assim como bonitas suas mulheres, e gostoso como suas castanhas, comecei a pensar. Voltei para casa, reservei a passagem e fiz a mala. Amanhã eu já estaria no paraíso. E fui. No vôo ofereceram cajuína, um suco de cajú sofisticado. Muito bom. Começava a me alegrar com essas pequenas coisas. Me disseram que no Ceará tudo era rápido, eficiente. E era mesmo, percebi já no dia seguinte.
No hotel botei uma sunga caprichada, um bonezinho para disfarçar a careca, atravessei a rua e comecei a caminhar na calçada, com o mar lindo, lindo à frente. Meia hora depois um Fusca passa a me acompanhar discretamente, tendo uma - claro ! - linda cearense ao volante. Cumprimentei-a discretamente com a cabeça e segui em frente. Então percebi que o Fusca me acompanhava. De novo ela me cumprimentou, deu um alegre
bom dia e eu, meio sem graça, respondi com um aceno. E me indaguei: nunca vi essa garota, pelo visto muito bem educada. E bonita, percebi também.
Mas segui tranquilo, tchauzinho que eu vou em frente. Continuei meu passeio, tendo como fundo as belas praias cearenses, água azul, areia branca e o céu brilhante. Fui por algumas quadras devagar, observando o lindo movimento das pessoas, todas com pouca roupa em direção ao mar. De repente - fon! fon! - era a mesma mulher que já por duas vezes buzinara para me chamar a atenção. Educado, eu apenas acenava com a cabeça.
Fui a uma barraca, pedi uma geladinha com castanha de caju, sentei-me e comecei a ler um dos livros que sempre levo em minhas viagens, para ficar mais instruído.
Então percebi que a dita mulher, ou garota, aparentava ser o que chamam de garota de programa. Pensando em seus interesses, claro. Ela chamou o garçom e por ele enviou-me um bilhete mais ou menos assim: Ôba, vamos sair e fazer um gostoso programa??. Respondi educadamente: Obrigado pela gentileza mas não estou interessado.? De repente ela liga o carro e vai embora, possivelmente chateada. O garçom me entrega um
bilhete por ela enviado e diz: - Ela mandou entregar ao Senhor.
Abri o bilhete e nele estava escrito: Você é baitola!.
Eu não sabia o que era isso, nas aprendi logo. Baitola é como os cearenses chamam os homosexuais, bichas, viados e tantos outros efeminados. Alcunhas dedicadas a estes cidadãos, mas que merecem respeito e consideração.
Eu fechei o livro, muito provavelmente deixando cair o bilhete dentro dele, entre suas páginas. Caminhei na praia, tomei banho de mar e descansei mesmo no Ceará, por vários dias. Depois voltei para o batente na minha cidade. Tudo isso agora era passado. Mas houve recordação, pois emprestei o mesmo livro a outro amigo meu, que o solicitou.
Lembro disso porque numa dessas noites em que descansava em casa, meu amigo me ligou para me dizer, obviamente surpreso e indignado:
- Fonseca, lá entre as páginas daquele livro que você me emprestou, tem um bilhete dizendo que você é viado!!!!
Assim eu aprendi que, no Ceará, viado ou baitola são a mesma coisa. E a mulher cearense deixou sua vingança por eu não ter aceitado sair com ela.
*José Fonseca Filho é jornalista
Imagem tecido com tema caju - Youtube
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