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Primeiro Capítulo - José Blanco

05/08/2020 00:00




Primeiro Capítulo 

Por José Blanco **
O silêncio no meio da noite nunca é absoluto, esteja onde estiver.
No deserto ou na densidade das florestas é mais natural, mas tem sempre um barulhinho quase imperceptível dos minúsculos grãos de areia que vão perdendo o calor adquirido durante o dia e esfriando rapidamente. Ou então, na floresta, são as folhas caindo do alto das árvores, suavemente.
Nos dois casos é um quase silêncio absoluto, mas que na verdade se pode escutar, mais com a alma do que com os ouvidos. É mágico. Tem o poder de nos levar para o mais profundo e íntimo de nosso ser, ou para nos fazer medir com precisão, ou adivinhar, ou intuir, a distância de uma determinada estrela. E depois de outra. E de outra mais. E assim penetramos no Universo infinito.
O quase silêncio é assim poderoso. E por incrível que pareça é ainda mais eloquente no meio de uma metrópole moderna, que sempre faz questão de manter acesas todas as luzes das ruas, por toda a noite, para afugentar o mal que o asfalto abriga. Parece que o asfalto dorme e esconde sua fúria diurna, mesmo sabendo que está sendo vigiado.
O silêncio é um elemento muito importante nesta história e por isso achei bom iniciar tentando dar sua dimensão e seus significados. No primeiro capítulo é sempre aconselhável situar as pessoas e oferecer boas referências para que possam entender o desenrolar dos fatos.
Depois do silêncio vem o amor. Só que não existe o quase amor, seja no deserto, na floresta ou na cidade. O amor é sempre total, absoluto, imenso e silencioso. Pelo menos nos momentos de maior intensidade o amor sente a necessidade de se recolher num canto e ficar em silêncio, como se fosse uma criança tímida esperando para ver se desta vez vai receber o presente de Natal que tanto queria.
No amor há sempre um mundo de expectativas não muito bem definidas e também não muito conscientes, mais instintivas. Estão lá, e se manifestam nos momentos menos esperados. E se renovam sempre, e muitas vezes se contradizem, mas não desistem nunca.

Fica a sensação de que muitas vezes o silêncio aparece para proteger o amor de sua própria ingenuidade.

Já ouvi dizer que o silêncio pode ser apenas uma fuga. Mas também já ouvi a mesma coisa sobre o amor. Como estamos apenas no primeiro capítulo, vamos deixar algumas coisas para esclarecer com o transcorrer dos acontecimento. Não precisamos nos apressar e eventualmente deixar escapar algum detalhe importante. Temos uma vida pela frente? Não vamos pensar no Tempo Cósmico para não entrarmos em desespero.

O Tempo Cósmico é absurdamente implacável, desumano, cruel. Não nos deixa a menor possibilidade de podermos realmente entender a vida neste mundo aparentemente tão sem importância, tão pequeno, mas que em sua insignificância ajuda a compor o equilíbrio das forças gravitacionais e com isso manter a harmonia do Universo.

Todos estes milhões e milhões de astros, planetas, estrelas e cometas, andando e girando velozmente no espaço por milhões e milhões de anos, dependem dramaticamente uns dos outros, de suas velocidades e de suas massas, para não entrarem num colapso sideral. E tudo isso em silêncio.

Então, quando penso na importância deste primeiro capítulo de uma simples história de amor, fico aterrorizado. Quanto tempo vou ter pra poder entender a complexidade deste sentimento, que tem a incrível força gravitacional para me atrair e me dar esperanças, e ao mesmo tempo a exata a velocidade para me manter afastado?

Todas a órbitas são elípticas. Então tem momentos em que estamos mais próximos, quase juntos, mas é justamente nestes momentos que ganhamos velocidade para nos afastarmos e mantermos o equilíbrio deste milagre cósmico. Então não podemos simplesmente parar. Simples assim.

Não sei bem quando aconteceu o Big Bang, mas deve ter sido silencioso. Passou desapercebido. Mas aconteceu numa fração de um milionésimo de segundo e foi definitivo. Os olhares intrigantes. Os sorrisos. As palavras doces e os silêncios.

Ela lembra a Eta Carinae, a estrela mais luminosa da Via Láctea, que está distante 7.500 anos-luz do sistema solar e cujo aspecto mais marcante é a variação de seu brilho em várias ordens de magnitude.

Nada de monotonia. Sempre um novo estímulo, mesmo que silencioso, mesmo que acidental e sem segundas intenções. Sempre intrigante.
Quando se observa uma folha caindo do alto de uma árvore também é sempre intrigante. Nunca se sabe onde vai cair. 

O luar cria uma atmosfera de conto de fadas. A folha vai balançando em movimentos suaves, como os de uma bailarina dançando Danúbio Azul. Impossível desviar o olhar. A cabeça vai acompanhando o ritmo da valsa e é até possível ver aquelas pernas compridas em movimentos alongados e ritmados. Dá até para imaginar os braços balançando e dando um certo equilíbrio e graça. E as mãos expressivas...

Tudo isso em silêncio. Ou quase em silêncio. Porque, como já disse, não existe silêncio absoluto no meio da noite. Tem vezes que o primeiro capítulo se torna um pouco confuso, o que não deve ser uma razão para preocupações sérias. É natural que seja assim. Até mesmo porque o amor é assim. A vida é assim. O Universo é assim.

A estrela Eta Carinae foi observada pela primeira vez em 1677 por Edmond Halley, um astrônomo inglês amigo de Newton, que foi quem calculou a órbita do cometa Halley em 1696. Até hoje os astrônomos não conseguem uma explicação para a variação do brilho da Eta Carinae. Então é bem aceitável a idéia de que alguém não consiga decifrar claramente os códigos de seu coração e emita sinais que variam de intensidade. Simples assim.

É preciso prestar bastante atenção nos olhos, porque a verdade mora lá. E nem sempre os lábios estão em harmonia com os olhos, tem vezes em que até se contradizem. Nestes momentos o silêncio assume uma importância gritante, pois só assim é possível interpretar o que os olhos querem dizer com toda sua peculiar sutileza. Essas mensagens são definitivas demais e não devem ser mal interpretadas. Já os lábios, mais irresponsáveis, são mais claros, mais explícitos, mas nem sempre assumem um compromisso com a verdade. Podem até mesmo sorrir enquanto os olhos seguram as lágrimas.

O olhar viaja com a velocidade da luz, que é de 299 792 458 metros por segundo. Inimaginável. E quando olhamos o céu e vemos a Eta Carinae, nem paramos para pensar que ela está distante 7.500 anos-luz do sistema solar. Portanto, é impossível saber se esta estrela ainda existe. Mesmo assim vamos continuar recebendo e apreciando seu brilho por milhares e milhares de anos. É mais ou menos como aquele olhar com magnitude estelar, que ultrapassa todos os limites da compreensão humana e abre uma perspectiva cósmica para o amor. Uma mistura de infinito e eternidade.

Que bom que estamos apenas no primeiro capítulo, quando tudo é ainda possível. As possibilidades estão todas em aberto. As paisagens não foram descritas, os personagens nem se apresentaram, os enredos permanecem indefinidos. Tudo pode acontecer. Tudo. Então, pensando bem, talvez seja melhor permanecer por aqui, em silêncio, e ficar imaginando a folha que vem caindo de uma árvore bem alta, dancando sua valsa predileta.

Graciosamente. Lentamente. Suavemente. Eternamente.

** Jose Blanco foi publicitário, golfista e sonhador - (R.I.P.)
Crédito imagem: Crescent Moon Art


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