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26/02/2021 00:00
O acelerador de processos
Guillermo Piernes **
Wilhelm finalmente sorriu. Acabava de sonhar alto. Seria um acelerador de processos, muito mais que um simples executor de corruptos.
Ele era um mulato forte que nunca soube como surgiu o seu nome germânico, na família pobre da periferia do Rio de Janeiro. Perdeu um irmão e sua mãe para Covid-19. Perguntava-se até que ponto as decisões do governo para enfrentar a pandemia trouxeram luto para a família e provocaram desejo de vingança no seu peito.
As mortes dos seus parentes durante a pandemia não tiveram muito impacto na comunidade onde moravam porque a morte chegava de tantas maneiras que precisaria ser muito espetacular para chamar a atenção. Que pessoas morressem por doenças não era mais notícia, nem que fosse por esse vírus que também atacava aos ricos. Dois eram nada entre os mais de 700.000 brasileiros mortos, segundo os registros oficiais. Tinha lido o Brasil foi o país com maior percentagem de óbitos pela pesto no mundo - o dobro que a media mundial - em parte, pela demora em ser reconhecida como ameaça seria.
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Ele já tinha pago caro antes da pandemia. Nunca conheceu o seu pai, que alguns disseram perdeu-se no álcool depois de anos de miséria. Nunca desfrutou de bons serviços de saúde o segurança. Nunca teve boa educação formal, porém tinha praticado sempre duas orientações de um professor da quinta série: Visitem as bibliotecas e pensem nas causas e não somente nos efeitos.
Wilhelm concordava com a tese que uma nova ordem avançaria depois de derrotado o vírus. A nova ordem substituiria um sistema que apodreceu com a aplicação hipócrita das leis, beneficiando grupos ou indivíduos sem obedecerem ao espírito da justiça. A solidariedade fora esquecida. O sistema foi carcomido ainda mais ao Sul do Equador pela imoralidade que legalizou a impunidade dos mais privilegiados, com inúmeras chicanas legais aproveitadas pelos advogados de defesa, bem articulados e melhor pagos.
Como essa nova ordem não chegava, ele considerou que a hora da justiça direta tinha chegado. Um dos corruptos era um antigo alto funcionário que vivia na opulência criada com dinheiro desviado da alimentação escolar e licitações fraudadas para compras de medicamentos. O outro era um estelionatário fantasiado de pastor que investia em imóveis de luxo, fazendas e aviões com os dízimos, que em nome de Deus tirava dos mais desesperados.
Wilhelm tinha feito um levantamento minucioso das rotinas de vida dos dois alvos. Sabia o momento certo para dar um tiro com pistola com silenciador. Não tinha a arma, mas sabia quem a tinha e podia vender. Ele ajudaria a Morte a chegar mais velozmente nesses corruptos. Não sentia orgulho por seu sonho, ou seu plano criminoso, mais estava tranquilo por entender que lutava no lado certo.
O sistema debilitou a fé na democracia com o Foro Privilegiado. Foi tímido na punição de desvio de dinheiro público, fechou os olhos para o nepotismo e depreciou a meritocracia na indicação de ministros e autoridades. As promessas de campanha eleitorais eram freqüentemente embustes e truques para atrair eleitores obrigados a exercer esse direito, ou ser obrigatório era mais um dever do que um direito, pensava.
Tambem considerava que a destruição ambiental avançou rapidamente nos últimos anos, para alimentar a ambição de poucos, sem aliviar a fome de milhões famintos habitantes do Planeta nem a criação de empregos necessários. Bosques foram arrasados para abrir passo a plantações mecanizadas, minas poluidoras, água e ar contaminados sem trégua, plástico por toda parte.
De chegar um dia esa nova ordem poderia atenuar a destruição ambiental desenfreada com um melhor enfoque de produção sustentável. A má notícia que essa nova ordem deverá aumentar a exploração de trabalhadores forçados a aceitar o retrocesso dos direitos duramente conquistados no tempo a cambio de trabalho.
Wilhelm apostava que no mundo desenvolvido melhorariam os mecanismos de apoio efetivo a população sem emprego. Enxergava que milhões passariam a receber ajuda suficiente para viver, sem atrapalhar o sistema econômico em busca da recuperação. Também sabia que tudo seria ainda pior ao Sul do Equador.
"A elite esta pouco comprometida com mudanças estruturais para diminuir a injustiça", pensava. Wilhelm era apenas um segurança de um Shopping Center, porém era espectador privilegiado da conduta e interesse de milhares, boa parte surgidos da elite e da oligarquia descompromissadas.
"Sim chegou a hora. Não da mais para esperar", determinou.
Uma tarde andou pelas ruelas da comunidade para chegar aonde vivia o chefe local da distribuição de drogas, que conheceu na escola primaria. Foi bem recebido. Conversaram bastante sobre as peladas de futebol ao fim do dia, companheiros, aventuras vividas perto do córrego infecto, um dos resultados de 100 milhões de pessoas sem esgoto. Wilhelm finalmente fez o pedido. Disse quanto o máximo que poderia pagar. "Volta na noite de quarta-feira", foi à resposta. Era um homem de negócios.
A missão de buscar soluções pelas vias legais era muito complicado, principalmente porque Dios, Justiça, Democracia, Patria eram constantemente utilizados apenas como apenas como disfarces para realizar mais abusos.
Colocar em prática o seu sonho de executar dois corruptos icónicos ajudaria um pouco com o medo a um segmento, de grande responsabilidade pela situação social. Assim poderiam rebrotar uma pequena esperança para um continente desiludido.
O medo funciona para muitos. A maior parte da população tem o medo como companheiro permanente. Medo de ficar sem trabalho, medo dos bandidos e da policia, medo de não encontrar um médico, medo que os filhos caiam na droga, e até medo de faltar dinheiro para enterrar mais um ser querido.
Wilhelm sabía que os corruptos poderosos, ainda que blindados pelo dinheiro, mansões e carros seguros, guardacostas, ficariam apreensivos quando entrasse em ação. As duas execuções teriam granda recupercusão. O povão ficaria mais aliviado ao saber que pelo menos duas figuras tan crueis e conhecidas tiveram finalmente justiça.
Voltou essa quarta-feira pela noite para se encontrar com o Chefe. Pagou e recebeu uma pistola de grosso calibre e uma caixa de projéteis. O Chefe mostrou como carregar e limpar a arma, utilizando uma pistola similar. Com essa arma na mão estava próximo de se transformar no sonhado acelerador de processos.
Não deu tempo. Gritos, apitos, foguetes, corridas, disparos. Balas fizeram buracos nas paredes, portas, moveis. Essa noite tinha sido marcada para uma operação anti drogas da policia, com apoio de milicianos, para ocupar o territorio até esse dia dominado pelo Chefe.
Wilheim nunca soube disso.
Uma das balas atravessou seu peito. Não sintiu dor, Teve a imagem de uma ponte large e iluminada antes de fechar os olhos. A morte chegou como sempre faz. Nem um minuto antes nem um minuto depois.
** Guillermo Piernes - Jornalista, escritor, diplomata
* Imagem - Blog Gestão de Segurança
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