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O ladrão enamorado - Guillermo Piernes

10/09/2023 00:00




O ladrão enamorado

de Guillermo Piernes **

­O ladrão entrou pela janela, na noite, sem ser visto pelo casal abraçado, trocando carícias e confidencias.

Ficou imóvel observando o homem e a mulher que pareciam flutuar, encantados um pelo outro.

Como um filme, pela cabeça do ladrão passaram seus delitos, a motivação. Ele tinha roubado dezenas de residências nos últimos anos. Sempre estudava o movimento do local. Entrava quando tudo indicava que não havia ninguém no local, ou que todos estavam dormindo, ocasiões em que somente roubava objetos de valor na sala ou escritório.

Ingressava por portas laterais ou traseiras, pelas janelas, desmontando habilmente fechaduras e trancas. Carregava um velho revólver no caso de ser descoberto. Estava incerto de poder disparar contra uma pessoa desarmada, porém não sabia nem queria saber.

Sabia que podia ser preso, que podia ser morto. Pouco importava depois que a sua Natalia morreu atropelada por um imbecil que dirigia em alta velocidade, falando no celular.

Sentiu que tinha perdido tudo porque ela era seu ponto de equilíbrio, a sua motivação para trabalhar, dançar. Roubar, além de proporcionar uma vida material razoável, lhe dava a emoção perdida depois da partida dessa mulher, a mulher da sua vida, da sua cama, dos seus sonhos.

Cada noite pensava nela imaginando que a estava abraçando, lhe contando os medos mais profundos, as fragilidades menos aparentes. Despido de pudor, vergonha, vaidade, orgulho. Ouvindo suas palavras sensatas, seus delírios. Vibrando com as mesmas luas, músicas, pinturas, livros. Que outra coisa podia ser mais do que um grande amor. Sabia que sempre foi compreendido por essa mulher tão especial que admirava e partiu, deixando sua vida sem propósito nem rumo,

Não foi rápido o encontro na vida deles. Demoraram anos e anos de experiências, vitórias e derrotas. Ela passou por um insosso casamento e ele por casos vazios ou incompletos que apenas o ajudavam no seu alívio físico e a seguir acreditando que um dia encontraria a mulher imaginada.

Com Natália todos os momentos foram inspiradores, alegres, inesquecíveis. Com ela a vida passou a ter mais cores, mais sabores. Era difícil acompanhá-la em toda a variedade da sua sensibilidade, que plasmava nas telas, nos textos, na preparação de um aperitivo, numa carícia. Era tão prazeroso, como seguir as manobras de uma borboleta de asas coloridas voando entre as flores...

Após um bom tempo, o casal percebeu a presença do ladrão e se encolheu sob o lençol.

"Fiquem quietos, amantes, e ocupem os lábios com o beijo", o ladrão ordenou apontando a arma.

Quando o casal finalizou o longo beijo, com os olhos fechados, desta vez pelo temor, o ladrão tinha desaparecido, sem nada levar.

O ladrão afastou-se rápido do local. Deitou na grama de uma praça. Tinha os olhos molhados, talvez pelo orvalho.

** Guillermo Piernes - Escritor, jornalista, diplomata
Pintura O beijo - Henri Toulouse-Lautrec


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