- Mas que cara de pau! Já levei muita cantada, mas essa foi a mais original. Vou aceitar a bebida porque estou fazendo nada, ou melhor, estou fazendo horas. Não vivo aqui. Moro em outra localidade. Estou aqui para conhecer um homem que encontrei num site de relacionamentos. No início fiquei desconfiada porque nesse site quase todos são bonitos e, curiosamente, dizem ser médicos, poliglotas e viúvos. Nunca vi tantos médicos e ainda por cima viúvos. E, o mais estranho, são jovens que a maioria das mulheres adoraria namorar ou ter um caso. Não seria necessário recorrer a esse tipo de aplicativo.Deve haver algo que não compreendo. Mas deixa para lá! Pois também sou jovem e bonita e estou fazendo igual. Apesar disso, decidi responder a algumas mensagens. Depois de analisar os perfis, para colher boa amostragem, escolhi os com mais de 45 anos de idade e que vivem perto de mim. Não gosto dos musculosos. Prefiro os mais magros, mas sem barriga, pelo amor de Deus. Ignorei os fotografados nas academias de ginástica, correndo de moto, praticando esportes radicais, de shortinhos e tatuados. Guiei-me pelas fotos mais comuns, da vida cotidiana, e sem "fotografias privadas", que já imagina como são, não? Também considerei as informações que pareciam honestas. Sei lá se são, mas fui adiante na experiência. Finalmente, fixei-me num rosto com um sorriso simpático, sem ser atrevido, - pois não posso passar a vida alimentando papo-furado - e começamos a trocar mensagens. Depois de algumas semanas, ganhei certa confiança e, como já não gosto de perder tempo, resolvi conferir se o tipo é real e se tudo que disse é verdade. Por isso estou aqui, nesse bar, que é elegante e cheio de pessoas, que podem evitar surpresas desagradáveis. Como digo, estou fazendo horas até ele chegar. Chama-se Fernando e diz que é piloto. Gosto da ideia de um homem dirigindo uma máquina nos céus, furando as nuvens, poderoso. Acredito que, na intimidade, deve dispor de grandes recursos. Pois não é que depois começamos a convesar, comecei a prestar mais atenção ao céu. À noite, quando no sofá da sala do meu apartamento, olho pela janela e fico contando os aviões que passam. Moro perto do aeroporto. Parece maluquice, mas tenho feito isso.

- O amigo tem alguma experiência nesse tipo de site?

- Não sei muito bem, mas antes de mais nada, espero sentir atração física. Sem isso não vou diante. Se der cola, tentarei descobrir mais do que ele já contou. Como nosso encontro será aqui nesse local, pipocando de gente fina , poderei observá-lo socialmente,como se comporta. Se for educado, antes de mais nada perguntará o que desejo beber. Digo isso porque já tive experiência semelhante. Aconteceu com um homem que conheci na internet. Após longas conversas inteligentes e educadas, combinei encontrá-lo num restaurante elegante da cidade. Sinto-me mais segura nesse tipo de local, onde posso avaliar melhor os esolhidos e se têm bala para frequentá-lo. Não precisam ser ricos, mas também não podem ser?.. Sabe o que quero dizer, não?

Fui a primeira a chegar. Enquanto esperava, por questão da educação que recebi da minha mãe, mulher muito sofisticada, pedi apenas um copo de água. Pois não é que o tipo chegou ,cumprimentou-me com dois beijinhos superficiais, sentou-se à minha frente e, sem perguntar o que eu desejava, pediu uma coca- light! Fiquei de tal forma decepcionada que perdi o ar sorridente que mantinha. Para marcar posição, encomendei uma taça da champagne mais cara que havia no menu. Ele deve ter compreendido minha reação porque ficou sem jeito e tentou ser simpático, mas o estrago estava feito. Só pensava em escapulir dali o mais rápido possível. Aguentei poucos minutos, levantei-me dizendo que ria ia ao banheiro e fui embora deixando a conta para ele pagar. Com raiva, cancelei-o no aplicativo e, para vingar-me, escrevi um conto chamado "Coca Light", que um dia, quem sabe, publicarei.

- Mas explique qual seria meu papel nessa sua campanha de perfume?

- Agora?

-E o que faço do piloto?