Poemas
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11/05/2024 00:00
Farras no Fusca
José Fonseca Filho **
O famoso Volkswagen sedan, pequeno modelo fabricado na Alemanha na década de 40 e reconhecido como um dos carros de maior sucesso já produzidos no mundo, desapareceu nas últimas décadas deixando grandes exemplos de serviços prestados à humanidade. Ganhou até um apelido carinhoso no Brasil, país onde tornou-se grande atração e obteve maior aceitabilidade do público, comparado com todas as demais produções
automobilísticas. Aqui, o Volkswagen virou simplesmente Fusca, e jamais perdeu a carinhosa denominação.
Ou também chamado de Fusquinha. Seu custo de aquisição era inferior ao dos concorrentes, tornando-se assim imbatível na preferência dos compradores.
Aqui o Fusca servia para absolutamente tudo. Transporte, passeio, viagem, exibicionismo, serviço de polícia, pronto-socorro e até corrida. O pequenino Fusca topava absolutamente tudo e jamais se sentia humilhado ou derrotado. Tinha algumas particularidades diante dos congêneres que o alavancava ainda mais no mercado competitivo. Não havia concorrente a desbancá-lo na aceitação do público. Nenhum outro carro além do Fusquinha tinha o motor refrigerado a ar, enquanto os demais possuíam circulação de água em um depósito para refrigerar o motor. Por vezes lhes faltava água, mas no Fusquinha jamais faltava ar. E seguia em frente o pequeno vitorioso. O nosso famoso Fusca tinha também uma placa de
aço sob o motor, abaixo da carroceria, protegendo-o de pedras e oscilações vindas do piso das ruas e estradas.
Nenhum outro carro tinha esse expediente. Os alemães se orgulhavam de seu carrinho, plenamente adotado pelos brasileiros após a instalação da fábrica no Brasil. Havia mais Fuscas do que quaisquer outros carros, em nosso país.
Nas grandes chuvaradas seguidas de enchentes nas ruas, o Fusca quase navegava, devido à sua placa de aço no piso. O carro se notabilizou, aqui quase todo mundo o comprava, mas um dia teve de encerrar a produção. Os concorrentes, com mais tecnologias e itens mais modernos, começaram a superá-lo. Outros seriam fabricados pela mesma fábrica alemã, mas aquele modelo tornado tão vitorioso jamais foi superado. Um presidente da República lamentou, pediu para ser retomada a fabricação, e isso aconteceu por mais alguns anos.
Aquele carro pequenino também virou táxi. O banco lateral da frente era retirado pelo motorista e o banco duplo traseiro se transformava praticamente num sofá. E assim o Fusquinha disputava passageiros com carros grandes.
O nosso bravo e valente Fusquinha atingira outras utilidades, desta vez mais ligadas ao prazer e ao amor, digamos assim. O diabo do Fusca servia para tudo, mas tinha uma utilidade que era a mais prazerosa de todas. Muitos negam mas a maioria praticou. Outros até tornaram-se experts em posicionamentos internos.
Na época a existência de motéis na cena urbana era ainda muito reduzida. Motéis eram hotéis destinados mais a encontros amorosos furtivos. Eram caros, porém, mas no preço estavam incluídos os contraceptivos. Era uma vasta festa noturna em todos os motéis das cidades, mas aquilo custava caro. Pessoas mais humildes, estudantes não conseguiam frequentar aqueles estabelecimentos. Era uma brincadeira cara, nem todos poderiam dela usufruir.
Mas a criatividade começou a funcionar, os casaizinhos já com a situação econômica permitindo a posse de um Fusca, e assim poderiam buscar outros lugares para seus prazeres e amores. Dentro do seu próprio carro. E, porque negar, era meio apertadinho, mas num bom Fusca dava para fazer amor com segurança e estacionado em lugares discretos. Era só passar para o banco de trás. E, a partir daí, um mínimo de equilíbrio, apesar dos cuidados que se tem nessas atividades, para que ninguém caia no piso do Fusca e se machuque.
Daí que dois amigos muito próximos e fraternos conheceram e se enturmaram com duas jovens mulheres simpáticas e corajosas. Como o motel estava afastado por causa do preço e da distância, resolveram tomar mais uma cerveja e seguir para uma área de estacionamento tranquila. À beira mar, numa das praias do Rio. Naquele momento não havia movimento nenhum a beira mar. Só o silêncio convidativo. Estavam todos alegres, e logo no início foi-se criando o clima para a prática do amor livre nos insólitos bancos traseiro e dianteiro do Fusca. Um casal na frente e outro atrás, claro.
Nesse período de tempo, o agarra começou mas a mulher do banco da frente repentinamente ficou insatisfeita. E avisou: Não dá para transar num
troço desses. Perdi a vontade, não quero no carro nem com esse cara. O do banco de trás interrompeu um longo beijo e debochou: Cê quer ir para o Copacabana Palace, é? Mas voltou à seriedade. Sentiu-se atingido pela desfeita ao amigo.
- Porque você não quer transar com meu amigo ? Trata-se de excelente pessoa, bom caráter, corretíssimo.
- Esse carro apertado e sua caixa de marcha está arranhando minhas pernas e eu estou morrendo de calor, reclamou a jovem.
No banco traseiro estava tudo resolvido mas no da frente o impasse não parecia ter solução. O Ronaldo ficou
sem graça e comentou: ?Se fosse um carro grande seria melhor, mas quatro pessoas transando num Fusca não dá certo.?
- Está esculhambando meu carro? Pois você vai voltar de ônibus com sua mulher fresca, berrou o amigo,
zangado. E abriu-lhes logo a porta.
Mas o Fusca continuou, por muitos anos, e de maneira crescente, carregando casais para encontros amorosos em seus bancos apertados. Com outra vantagem em relação aos motéis. Neles, nos Fuscas, os casais poderiam ir para o lugar que quisessem, fazer amor tranquilamente, com vista panorâmica e ouvindo música no rádio. Com um ou dois casais. Afinal, tem banco na frente e atrás. Desta forma, na prática, o Fusca se transformou num motelzinho ambulante utilizando os estacionamentos perto das praias, com vista para o mar, que antes eram procurados pelos casais que assistiam corridas de submarinos. Estas praias com os Fusquinhas passaram a ser locais de atividades amorosas intensas. Algo que
os construtores do carrinho jamais imaginaram acontecer.
** José Fonseca Filho é jornalista
* Imagem - Mulher num Fusca - Elo7
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