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A porteira se abre - (Crônica) - Roberto Garcia

02/09/2024 00:00




A porteira se abre

Roberto Garcia **

­Fazia tempo que avisavam. Esses grupos criminosos estavam ficando ricos, poderosos. Ia chegar a hora em que ficariam normais, gente como a gente, com plenos direitos. Iam entrar para a política, virar vereador, deputado. Nos rincões distantes, chegariam a prefeitos. Tudo que é possível acaba virando fato.

Mas em cidade grande seria difícil. A informação se alastra fácil. As pessoas percebem. Não ia dar. Pois é, deu. O bandido agressivo, fala mais alto, faz calar os oponentes, grita e xinga, domina o ambiente. De repente, da maior cidade ele chega perto. Se abusarem, se encaixa. Passa a governar a maior cidade do país. A porteira se abre. Não demora para as pretensões aumentem. Pode chegar ao cargo máximo. Os que abriram a fresta vão descobrir que ele invadiu a sala, passa a mandar na casa. O bandido chega ao poder.

O Estadão percebeu, anos atrás, que um milico qualquer decidia o que podia publicar. Tinha que mandar as matérias para o censor. No espaço da matéria que ele vetava passou a entrar poesia de Camões. Eu, secretário da redação da sucursal em Brasilia, recebia a ligação do "Doutor Julio" (de Mesquita Filho) pedindo ao chefe do Gabinete Civil do General Castelo que atendesse a chamada, minutos depois. Para reclamar das restrições.

O Estadão tinha ajudado a promover a Marcha da Família com Deus da Liberdade, que abriu as portas para o golpe. Foi depois censurado pelo regime militar. Supunha-se que aprenderia, para jamais repetir. Não aprendeu. Nasceu golpista, os filhos crescem golpistas. Problema de cognição.

Estamos nessa, de novo. Os golpistas avançam. Meio cansativo, a história de sempre. Para se proteger, eles abrem as portas, acharam que não seriam invadidos. Estariam entre amigos. Muy amigos.

A história se repete. As ameaças voltaram. As caras são novas. Os métodos mais atuais. A meta é a de sempre. Essa tal democracia é incômoda para eles. Querem derrubá-la. Não gostam de limites. Ditadura de novo, agora colorida.

** Roberto Garcia jornalista com marcante atuação em Brasília e Washington
Pintura Dios sin religión de Francis Bacon


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