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Perdemos o prêmio - (Crônica) - Guillermo Piernes

04/02/2025 00:00




Perdemos o prêmio

Guillermo Piernes **­

Tive a fortuna de visitar a Amazônia umas 60 vezes, ao longo de meio sêculo. Todas visitas de trabalho - como correspondente das agencias de noticias Reuters-Latin e UPI, representante da Organização dos Estados Americanos (OEA), dirigente da AUALCPI (Associaçao das universidades latinoamericanas y caribenhas para a Integração), ou como escritor / golfista -. 

Uma dessas visitas nunca será esquecida, nem que eu passe a padecer demência senil, amnesia alcoólica, ou for viver uma paixão irresistível na Polinésia. Preventivamente colocarei essa lembrança nesta crônica. 

Com uma equipe de UPITN (o serviço para televisão da United Press International na época) e um fotógrafo fui enviado para fazer reportagens sobre a selva amazônica, que no fim da década dos 70 era muito maior e certamente com mais indígenas salutares e menos garimpeiros, mercúrio nos rios, gado e trânsito de drogas.

Houve que voar para um dos pontos onde as árvores da floresta alcançam as maiores alturas (no estado de Pará, na região do rio Trombetas). Partimos em dois pequenos aviões de Oriximina, da pista onde opera uma das maiores minas de bauxita do planeta, após filmar e realizar entrevistas com executivos e trabalhadores. O objetivo era pousar numa estrada de terra que passava no meio da alta floresta, permitindo a captura de imagens únicas de vegetação e animais para serem distribuídas no mundo.

Eu ia no banco do copiloto, num pequeno Piper Cherokee, monomotor. O piloto era um gaúcho louro, de evidente descendência alemã. Conversamos um pouco, com ele concentrado em seguir o curso do rio até um ponto que ele sabia ficava perto de uma estrada que cortava a alta floresta. O outro pequeno avião que tinha decolado antes, levava o operador de câmara e seu assistente, um fotógrafo e todos os equipamentos.

Uma meia hora após decolar, avistamos o outro avião, acho que era um Piper Comanche, numa minúscula clareira junto a uma estrada de terra. Vi o operador de câmara postado a beira da estrada para filmar a aterrizagem do nosso avião no coração da floresta. Seria uma bela imagem. O piloto explicou que ia dar uma volta para verificar que não teria nenhum obstáculo para pousar na estrada de terra. Assim foi. Sobrevoamos as imensas copas das árvores e a serpenteante estrada e nada foi avistado. "Vamos pousar". Fiquei aliviado. Durou pouco. A emoção voltou com tudo.

Quando o aviãozinho estava já tocando a estrada, um caminhão surgiu na nossa frente de uma curva oculta pela floresta. Fiquei congelado. Olhei para o piloto, imperturbável. O caminhão seguia acelerando na nossa frente, para meu alívio. Mas...

Pelo espelho retrovisor, o motorista deve ter percebido o avião monomotor na sua cola e freou. Freou mesmo. Eu já nos vi chocando contra a traseira do caminhão. Olhei para o piloto que parecia ter o rosto de mármore. Profissional ao máximo nível. Deu potencia máxima ao motor e decidiu arremeter....

Acho que as rodas do Piper tocaram levemente nos troncos que o caminhão carregava. Também acho que o aviãozinho quebrou alguns galhos menores das árvores ao tomar altura. Eu nem tinha tido tempo de pedir perdão por algum possível pecado cometido durante meus - nessa época - trinta e poucos anos. A hora para isso tinha passado. Tínhamos safado. O avião subiu e subiu.

Já com bastante altura, com o céu azul dominando o horizonte, o piloto teve um surto. Começou a chorar e gritar. Depois xingou e xingou...fez diretas menções a suposta profissão da mãe do motorista do caminhão...a mulher da noite que tinha parido não sei quem, a intenção de enfiar...em fim, nunca tinha ouvido uma série de tantos palavrões, que brotavam como lama de um vulcão. Após o desabafo, o piloto recuperou a calma. Com voz serena me disse que pararia de voar na Amazônia porque era perigoso demais. Eu concordei com a cabeça porque ainda não tinha recuperado a capacidade de pronunciar palavras. 

Voltamos a voar baixo sobre a minúscula clareira donde enxerguei meus companheiros nos aguardando. Ao possar, eles correram até o avião. Tinham assistido, filmado e fotografado a primeira e dramática tentativa de pouso.

"Que pena ... a batida do avião com o caminhão na Amazõnia seria transmitida por todas as televisões do mundo...perdemos o prêmio...", disse o veterano operador de câmara. Foi xingado, imediatamente e ao uníssono. Depois os três nos abraçamos muito forte, em silêncio.  

** Guillermo Piernes: jornalista, diplomata, escritor
* Crédito imagem- br.pinterest 


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